Orientação Anestésica e Cuidado Pré e Pós Operatório para o paciente com Anemia Falciforme:

Dra Heloisa Helena Arantes Gallo da Rocha

Summary

Patients with sickle cell anemia frequently requires surgery. The risk of morbidity and  mortality in these patients are greater than in general population. The author presents guidelines to be followed  in case o surgery in patients with sickle cell anemia: 1) the patient must be  in a steady state wherever possible  2)the transfusions are not indicated  when the surgery will be done with local anesthesia unless it will be ocular surgery 3) The patient should receive careful attention, with pre, per and post operative monitoring of intake and output, hematocrit, peripheral perfusion and oxygenation status 4) The hypertransfusion will enhance the hemoglobin level and this may be dangerous for the occurrence of  hyperviscosity . In these cases it is important to assure that the hemoglobin S level is lower than 30%5)  The prophylactic antibiotic therapy must be considered.

 

Sumário:

Os pacientes com anemia falciforme  freqüentemente apresentam complicações durante sua vida que  o levam a necessitar de cirurgia. 1)Sempre que possível a cirurgia deve ser eletiva e com o paciente fora de crise da doença. 2)As transfusões não estão indicadas para procedimentos de anestesia local, com a exceção da cirurgia intra ocular. 3) Em grandes cirurgias o nível de hemoglobina deve estar em torno de 10 g/ dl, com uma hemoglobina S menor que 30%.4)O cuidado pré per e pós operatório consiste em manter o paciente bem oxigenado, hidratado, com monitorização do pulso, pressão arterial, perfusão periférica, balanço hídrico, perdas sangüíneas, hematócrito e status de oxigenação.5)A hiper transfusão para aumentar o nível de hemoglobina só deve ser feita se o nível  HbS estiver abaixo de  30%. O incentivo à espirometria deve ser feito em todos os pacientes com a finalidade de se prevenir  o desenvolvimento de Síndrome Torácica Aguda.6)A antibioticoterapia profilática deve ser considerada 7)A aloimunização deve ser minimizada transfundindo-se sangue fenotipado

 

Médica Hematologista do Serviço de Hemoterapia do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro.

 

Introdução

A anestesia e cirurgia estão historicamente associados a um aumento na incidência de morbidade e mortalidade nos pacientes com AF(9).

As taxas muito elevadas de complicações descritas no passado provavelmente não são mais relevantes na era moderna da Anestesia, porém dados multicêntricos recentes ainda descrevem complicações per operatórias de 22% de pacientes com AF sendo submetidos a cirurgias eletivas (17). Para um bom prognóstico há a necessidade de uma orientação cuidadosa pré per e pós operatória pelo time consistindo do cirurgião, anestesista, hematologista e hemoterapeuta.

Os pacientes com histórias anteriores de Síndrome Torácica Aguda, crises álgidas de repetição , maior que três ao ano, aloimunização e/ ou reações transfusionais, insuficiência cardíaca e renal são os pacientes em maior risco cirúrgico.

Um estudo recente  do Cooperative Study of Preoperative Transfusion dos EUA mostrou que os pacientes com anemia falciforme devem receber transfusões simples afim de elevar a taxa de hemoglobina para 10 g/dl antes da cirurgia. Essas transfusões simples são mais seguras e tão eficazes na prevenção de complicações pós operatórias como as transfusões de troca ou transfusões agressivas para se diminuir o nível de hemoglobina S. As complicações pós operatórias como a Síndrome Torácica Aguda, febre e aloimunização com reação anamnéstica são comuns e ocorrem em 20% dos pacientes com AF no Brasil (Dra Heloisa Gallo/ Apostolado de Anemia Falciforme).

A aloimunização pode ser minimizada transfundindo-se sangue imunofenotipado (cruzado para os antígenos K, C, E, S, Fy, e Jk ).

Objetivo:

Este trabalho tem como objetivo traçar linhas de conduta quanto a indicação de hemotransfusões em pacientes com anemia falciforme que serão submetidos a uma cirurgia. Para isso serão seguidos os passos clínicos,laboratoriais e conduta per e pós cirúrgica.

Estudo Clínico:

Dados Subjetivos:

História Patológica Pregressa: Uma história é feita para se determinar a presença de infecções respiratórias,  infecções respiratórias de repetição,  problemas cardíacos, hepáticos ou doença renal.

Questões importantes são :tosse recente,  febre, dor torácica, reações alérgicas, dispnéia a esforços, dispnéia paroxística noturna, ortopnéia, edema de membros inferiores, palpitações .

História Médica Passada: Reações transfusionais, reações e  aloimunização. Uma história cuidadosa de complicações anteriores deve ser feita incluindo: pneumonias, síndrome torácica aguda, asma, hepatite, infecções renais freqüência dos episódios álgidos ,convulsões, AVC, hemorragia subaracnóidea e outras complicações importantes. O uso do álcool e o tabagismo devem ser computados. Deve- se detalhar uma história prévia de anestesia e cirurgias .As medicações atuais também devem ser  registradas assim como alergias medicamentosas.

Dados Objetivos:

Exame Físico:

Sinais Vitais: Temperatura, PA, PR e FR.

Verificar se existem obstruções à intubação e amígdalas hiperplasiadas.

Tórax: verificar rastejo sistólico , ausculta pulmonar e cardíaca.

Coração: Tamanho do coração, características de A2, P2, e os sopros cardíacos. Edema?

Abdomen: Hepatosplenomegalia.

Extremidade: Pulsos.

Sumário neurológico: Sinais focais?

Avaliação Laboratorial:

-

-Exames Laboratoriais:

Mínimo Laboratorial.: Hemograma, plaquetas, coagulograma, contagem de reticulócitos, urinálise, RX de Tórax e eletrocardiograma, gasometria arterial e ecocardiograma.

A avaliação pré operatória é baseada nos problemas médicos do paciente e tipo de cirurgia .Os pacientes com história de síndrome torácica aguda, pneumonias, tabagismo ou sintomas respiratórios deverão fazer gasometria arterial e monitoração da saturação de oxigênio no dias pré cirurgia, per cirurgia e pós cirurgia por oxímetro de pulso. Nesses casos se deverá avaliar a função respiratória e o estado da circulação pulmonar (cintigrafia pulmonar). Poderá ser necessário fazer-se os testes de função pulmonar, nesse caso sendo melhor a orientação de um pneumologista. Os pacientes que serão submetidos à cirurgia oftalmológica, neurológica, ou cirurgia de bypass deverão ter também o TAP, PTTA, e tempo de sangramento ou estudo da Agregação Plaquetária. Os pacientes mais  velhos com história cardíaca deverão ser avaliados pelo cardiologista e os pacientes em regime de hipertransfusão por AVC deverão manter o mesmo.

Orientação Terapêutica:

Cuidados Gerais.

Manter o paciente hidratado adequadamente

Cateter de O2 contínuo 5 l/min

Oximetria de pulso (saturação de O2, CO2, freqüência cardíaca e respiratória, gráfico de temperatura e pressão arterial e diurese  por minuto

Manter aquecida a sala cirúrgica (37 graus Celsius)

Anestesia geral mantendo uma alcalose leve (ph= 7,45) e relação oxigênio/  agente anestésico: 50%.

Observar a provável perda de sangue durante a cirurgia, e  transfundir a mesma quantidade em concentrados de hemácias e em casos de transfusão de três concentrados de hemácias seguidos infundir 1 g de sulfato de magnésio e 1 ampola de gluconato de cálcio (obs: a transfusão deverá ser sempre com hemácias AA e nunca AS)

A monitoração, hidratação e oxigenioterapia  5 l/min deve ser mantida até o completo restabelecimento, isto é, no segundo dia pós operatório.

A ambulação precoce e incentivo da espirometria deverão ser feitos no primeiro dias pós cirurgia.

As “máquinas salvadoras de hemácias estão completamente contra- indicadas em pacientes com anemia falciforme.

O cuidado respiratório rigoroso é necessário para diminuir- se as complicações pulmonares.

 

-          Transfusão Pré operatória. A necessidade e o valor  da Transfusão préoperatória é uma das áreas mais controversas no tratamento do paciente com AF.

Os benefícios citados são histórias passadas de complicações freqüentes,  aumento da oxigenação tissular, diminuição da viscosidade sangüínea e uma  "margem de segurança". O benefício mais consistente é o da prevenção da necessidade transfusional pós operatória devido à supressão da medula óssea.. As desvantagens são indução de hiperviscosidade, aloimunização significativa, reações transfusionais retardadas, exposição a doenças infecciosas, custo e provisão de um falso senso de segurança. A maior parte dos Serviços de Hematologia/ Hemoterapia de todo o mundo seguem a orientação de que as transfusões não estão indicadas para procedimentos menores sob anestesia local, a não ser que o paciente esteja muito anêmico (nível de hemoglobina abaixo de 10 g/ dl) ou tenha outra complicação. A maior parte desses Serviços transfundem pacientes que serão submetidos a uma grande cirurgia sendo que a definição desses procedimentos variam intensamente. Cirurgias cardio- torácicas, procedimentos cirúrgicos, operações oftalmológicas mesmo sob anestesia local, e cirurgias prolongadas sob anestesia geral são consideradas indicação de transfusão para a maior parte dos hematologistas clínicos.

Um estudo recente Cooperativo dos EUA de transfusão pré operatória demonstrou que os pacientes com AF devem receber transfusões simples de concentrado de hemácias afim de elevar o nível de hemoglobina para 10 g/ dl antes da cirurgia. Essas transfusões simples são mais seguras e tão eficazes na prevenção de complicações pós operatórias como as transfusões de troca ou transfusões agressivas para diminuir os níveis de hemoglobina S para menos de 30%. As complicações pós operatórias como síndrome torácica aguda, febre, aloimunização com reações transfusionais anamnésticas são comuns.  A aloimunização pode ser minimizada dando-se hemácias compatíveis(genotipadas para K, C, E, S, Fy, e Jk ).

Os pacientes SS ou SC com níveis de  hemoglobina de 10 g/dl irão apresentar hiperviscosidade que pode acarretar em diminuição do fluxo sangüíneo e aumentar as interações entre as hemácias e o endotélio vascular, levando a liberação pelo mesmo de citoquinas, acidose local, e vasoconstricção e/ou resposta inflamatória com obstrução vascular. Deste modo,  a elevação dos níveis de hemoglobina acima de 11g/dl tem que ser acompanhada por  uma  hb S  menor que 30%.Portanto, os procedimentos de  “transfusões de troca”  ou transfusões simples repetidas por várias semanas, em um paciente que será submetido à cirurgia poderão ser deletérios, caso não se tenha uma noção exata do percentual de hemoglobina S.

 

 

Sumário de Risco Cirúrgico:

Os pacientes e família devem ser informados sobre os riscos e benefícios da cirurgia e  transfusão utilizando-se os dados clínico/ laboratoriais  mais recentes.

Há um risco cirúrgico maior entre os pacientes com AF e a informação aos paciente e familiares é mandatária.

                                                                                       Sim       Não

I Risco Cirúrgico Cardiológico:                                   

1- Há insuficiência cardíaca?                                                                                     

2- Há arritmia?                                                                                                      

3- Ecocardiograma normal?                                                                                     

 

II Risco Cirúrgico Pulmonar:

1- Há insuficiência respiratória?                                                    

2- RX de Tórax normal                                                                  

3- ECG normal                                                                               

4- Espirometria normal                                                                  

5- Gasometria arterial normal                                                        

 

III Risco Cirúrgico Hemoterápico

1-      Coombs Direto normal?                                                           

2-      Coombs Indireto Anormal?                                                      

3-      Reações Transfusionais prévias?                                              

4-      Identificação de Anticorpos eritrocitários ou Auto Ac             

           IV  Risco Cirúrgico Hematológico:

1-      -Nível de hemoglobina pré operatório menor que 9 g/ dl?

2-      Contagem de plaquetas acima de 500 000/mm3?

3-      Contagem de reticulócitos constantemente  acima de 12% ?

4-      Crises álgidas importantes, em número maior que 2 por ano, com necessidade de internação?

5-      Crises de Hipersequestro esplênico na infância?

6-      Leucometrias continuamente acima de 15 000/mm3?

7-      Dactilites antes de dois anos de idade?

8-      AVC anterior? O doppler das artérias cerebrais está normal?

            9     Mais de 1 episódio de Síndrome Torácica Aguda?

Resumo:

·         Sempre que possível a cirurgia deve ser eletiva de tal maneira que o paciente vá para a mesa cirúrgica o mais compensado possível.

·         As transfusões não estão indicadas para procedimentos de anestesia local, com a exceção da cirurgia intra ocular.

·         Em grandes cirurgias o nível de hemoglobina deve estar em torno de 10 g/ dl, com uma hemoglobina S menor que 30%.

·         O cuidado pré per e pós operatório é imprescindível para uma boa recuperação do  paciente. Durante toda essa fase o paciente deverá estar bem oxigenado, hidratado, com monitorização do pulso, pressão arterial, perfusão periférica, balanço hídrico, perdas sanguíneas,hematócrito e status de oxigenação

·         A hiper transfusão para aumentar o nível de hemoglobina é perigosa a não ser que se obtenha um nível de  HbS abaixo de 30%. O incentivo à espirometria deve ser feito em todos os pacientes com a finalidade de se prevenir  o desenvolvimento de Síndrome Torácica Aguda.

·         A antibioticoterapia profilática para endocardite bacteriana sub aguda deve ser feita principalmente para os  pacientes com valvulopatias .

·         A aloimunização deve ser minimizada transfundindo-se sangue fenotipado (antígenos K, C, E, S, Fy e Jk)

 

Pacientes e Família:

Os pacientes e seus responsáveis devem ser informados sobre os riscos e benefícios que ocorrerão com a cirurgia e a transfusão utilizando os dados mais recentes para  informação. Um consentimento informado é mandatário.


Bibliografia:

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